Alguém já disse...

Os do mal começam a vencer quando os do bem cruzam os braços!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Gaúchos e Farrapos

            Feita (e perdida) a revolução (que nunca foi) a gauchada retorna à vida normal e a seus afazeres normais, para, digamos, esperar a próxima oportunidade de tirar os petrechos do armário, pegar em armas simbólicas (faca de gaúcho não é arma, mas quite de sobrevivência) e sair se vangloriando de sua história e de sua cultura.

Até a algum tempo, uns vinte ou trinta anos, as comemorações farroupilhas eram restritas ao âmbito dos CTGs. Lembro que as festividades reduziam-se a um desfile da gauchada pelas ruas das cidades, um fandango em uma noite e, no máximo, um fim de semana de churrascadas. “Lá vêm os gaúchos”, dizia-se com freqüência àquela época. Nós não éramos gaúchos, os cavalarianos eram!

            A comemoração maior era referente ao Sete de Setembro cujas atividades envolviam toda a chamada Semana da Pátria: cartazes, bandas marciais, fitinhas verde-amarelas, marcha de estudantes e professores na avenida (direito-esquerdo-direito-esquerdo), desfile do Exército, etc. Ainda hoje meu subconsciente faz uma associação entre o cheiro da flor de laranjeira (na casa de minha avó, onde eu morava, havia um laranjal) e os toques das bandas marciais às quais, durante meu período escolar, sempre participava, desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Claro que também justificava o fato da prioridade de uma comemoração sobre outra a realidade de que vivíamos numa ditadura ufanista onde o importante era amar e louvar o Brasil acima de todas as coisas, inclusive do próprio estado.

Com o passar dos anos, as coisas foram se modificando. A ditadura sucumbiu (felizmente) ao tempo.

A partir do inexorável processo de abertura política no final dos anos oitenta e principalmente início dos noventa, foi se tornando pública a face nem sempre correta, honesta e ética da ditadura. Com isso, aproveitando-se das fissuras históricas e culturais que começaram a aparecer, o movimento tradicionalista, através do Vinte de Setembro, começou a se apresentar como uma alternativa de comemoração independentemente das comemorações do Dia da Independência. Tal alternativa avolumou-se com o passar dos anos e hoje, em muitos municípios do Rio Grande, o Vinte sublimou o Sete. O tradicionalismo enrijeceu a cultura gaúcha e esta se tornou um monolito de adoração sobre a qual não se admitia questionamento ou oposição.

É sabido que muito do que se diz “farroupilha” ou relativo ao “tradicionalmente farroupilha” é convenção estabelecida em processos nem sempre pacíficos no seio da entidade maior do tradicionalismo gaúcho que é o MTG – Movimento Tradicionalista Gaúcho. O regramento a cerca de vestuário, cancioneiro, comportamento, usos e costumes gaúchos, história, etc., tudo, senão a maior parte é convenção. E como tal deve sempre ser concebida.

A questão que se apresenta é que tais convenções acabaram por se tornar dogmas que, por sua vez, passaram a representar, a materializar os conceitos de certo e do errado, de pode e não pode, de “é assim” e “não é assim”. Questão pior ainda é que isso não só nos meios tradicionalistas, mas nos meios populares também.

É justamente por serem convenções dogmatizadas que penso que deve haver liberdade para que as pessoas se vistam da forma que melhor lhes convir. Sem que sejam, neste intuito, recriminadas ou ridicularizadas.

O conhecimento da história e dos preceitos de desenvolvimento do tradicionalismo é muito importante e não deve ficar restrito a grupos reservados como estudiosos, pesquisadores ou tradicionalistas. Quando tais dogmas começam a ser cobrados pelo cidadão comum como se fossem regras imutáveis que não suportam alternativas ou variantes, aí estamos diante de um grande desconhecimento ou de uma grande falta de informação. Tais comportamentos se prestam, também, para perpetuar a dogmatização estabelecida, fazendo com que a maioria da população se sinta “fora do meio”, fora do todo, fora do conjunto da sociedade, a tal ponto que se continua ouvindo a expressão de “lá vem os gaúchos”, como ocorria há vinte ou trinta anos.

Quem perpetua os dogmas de há muito conhecidos como tal é o mesmo que perpetua o preconceito, a desigualdade, a exclusão.

Quem sabe o que é certo ou errado em termos de cultura popular?

            O que o amigo leitor pensa a respeito?

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