Alguém já disse...

Os do mal começam a vencer quando os do bem cruzam os braços!

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Retorno às aulas em meio à pandemia...

         A pedra foi cantada: bastou intensificar-se o retorno das aulas presenciais que o surto de COVID começou a crescer e muitas escolas tiveram que voltar a suspender as aulas, algumas até fechar. Alguém pensou que seria diferente? E aí nota-se uma discrepante realidade: a maioria, a grande maioria das escolas em que isso ocorreu são as públicas. Por que?


Conversei com alguns professores, ouvi algumas reportagens na tv, e ficou latente uma observação: os alunos não conseguem ou não querem observar os protocolos de segurança, principalmente os de não se aglomerarem e de manterem distanciamento; mantêm os mesmos hábitos que possuíam antes da pandemia, no período da “antiga normalidade”.  Ora, na hora que houver um aluno contaminado, mesmo que assintomático, é um rastilho de pólvora para a contaminação dos demais colegas e professores, sendo que esses, logo-logo, estarão em outras turmas, contribuindo para ampliar a propagação da doença.

Em função dessa triste constatação, alguns pais são muito objetivos em dizer que gostariam sim de mandar seus filhos para a escola, mas não o fazem, pois o comportamento desses jovens incautos cria muita insegurança. “De nada adianta meu filho se cuidar se os colegas não se cuidam”, me disse uma mãe esta semana. Pura verdade.

    As escolas terão que exercer de forma muito intensa seu poder de polícia para controlar esses alunos, afinal, é uma questão de segurança à saúde pública e os professores deverão ser vacinados. Se isso não ocorrer, mais escolas terão que fechar suas portas, ampliando ainda mais as incomensuráveis perdas escolares dos alunos. E das escolas para as famílias e para a comunidade será, então, apenas uma questão de tempo

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Homenagem de um amigo morto

     Esta semana tive o desprazer de participar das solenidades fúnebres de um amigo que faleceu de COVID. Numa questão de trinta dias ele adoeceu, foi para o hospital, ficou na emergência, foi para a UTI, precisou ser entubado e, depois de três dias, morreu.

    Era grupo de risco, tinha comorbidades, acho não se cuidava. 

    A surpresa da morte se deu em face da reiterada esperança que tínhamos de que pudesse superar a doença, afinal, até três dias antes de morrer o quadro, grave, encontrava-se “estável”, conforme boletim de uma esperançosa esposa. A tristeza da morte não estava apenas na idade do amigo, afinal essa geração de sessenta e quatro não é tão vigorosa quanto a de sessenta e três (kkk), que essa sim é uma geração de fortes, mas também estava no fato de que quando se perde um amigo, desses das antigas, amigo daqueles desde a adolescência, o único amigo restante de vários que se perderam no tempo e na distância, parece que um pedaço da gente morre junto; ao menos temporariamente, um membro de nosso corpo e um naco de nosso espírito vai junto no caixão.

Víamo-nos pouco, mas conversávamos muito. Herdamos gostos e assuntos de interesse em comum como pescarias, acampamentos, filmes, armas, bebidas, mulheres, pois começamos a namorar nossas esposas mais ou menos na mesma época. Há quatro meses eu o levara no alambique aqui do Vale Verde para “se abastecer para o inverno”, como ele disse, mas teria que voltar em breve, pois o combustível fora pouco... Na nossa penúltima conversa tratamos das piranhas (os peixes) que apareciam no Jacuí nos meses de verão, e discutimos questões referentes ao desequilíbrio ecológico que poderia causar esse problema. Parceria de muitos causos, muitas aventuras, algumas desventuras. Nossa última conversa foi exatos trinta dias antes de morrer, no dia que foi hospitalizado. Perguntei, via watts, se ele ainda vivia ou se eu já precisava pôr o terno preto no sol. Ele disse que sim, estava vivo, mas que estava hospitalizado e já dependia de oxigênio; concluiu comentando do extremo cansaço que sentia, da dificuldade de respirar e que “uma doença dessas só Hitler merecia pegar...”.

A esposa dele, enfermeira do hospital de Clínicas de Porto Alegre, ao mesmo tempo em que era esperançosa, sabia, por ofício, que o quadro era gravíssimo, quase irreversível. Nos últimos dias manteve a chama acesa no grupo dos amigos, mas preparou-nos para o desfecho. A ligação telefônica às quatro e cinquenta, como a maioria das ligações feitas na madrugada, apenas confirmou o que já se esperava. O Bixo Véio, o Caboclo, guerreiro sobrevivente das selvas do Vietnam, como a gente gostava de se chamar, bateu as botas! Se foi o caboclo na flor da idade, como muitas vezes comentávamos ao saber que um de nossa geração tinha morrido.

Durante o velório, após os cumprimentos iniciais (sempre fico constrangido na hora de prestar esses cumprimentos), após dividir a dor com muitos amigos e conhecidos em comum, notei que havia um grupo de amigos, os novos amigos dele, amigos também de muitos anos; desses eu conhecia um, já havíamos nos encontrado algumas vezes, e fui cumprimenta-lo. Perguntei se ele lembrava de mim. Ele disse que sim, óbvio, e me apresentou aos demais amigos: _ este é o amigo número dois da vida do Sandro, aquele que ele gosta de ficar contando pra nós das histórias; como eu já tinha perdido o amigo, que estava ali, gelado, esticado no caixão, não perdi a piada: _ se sou o amigo número dois, onde está o número um que não vi ainda? Foi um momento muito emocionante, pois éramos amigos, quase todos desconhecidos entre si, dividindo a mesma dor da perda de um parceiro em comum.

Ora, se meu amigo comentou com o amigo dele que eu era um amigo, e esse amigo dele sabia disso e me apresentou como tal aos demais amigos, não pude deixar de ficar feliz, de me sentir mesmo homenageado pelo amigo falecido, pois sabemos que o tempo e a distância amainam relações e relacionamentos, superficializam antigas amizades e mitigam sentimentos. Eu estava ali, considerado amigo pelos amigos dele, fazendo parte de um pequeno grupo, mostrando que a distância física não fora suficientemente forte para sofrear o sentimento de amizade há décadas cultivado. Um momento de luz em meio à tristeza!

E assim é a vida; e também a morte. Felizes os que possuem amigos autênticos, pois mesmo que morram, permanecerão vivos em nossas memórias. E morrerão um segunda vez quando nós, então, também formos. E iremos, que ninguém vai ficar para semente.

Ao ajudar a carregar o caixão, mais um que eu carrego, não pude deixar de lembrar que ele não atendeu meu último pedido: que já que ele não se cuidava, que ao menos emagrecesse um pouco, para não pesar no caixão. O ômi tava pesado sim. Não deixei de rir, assim como ele também não deixaria. Assim são as boas amizades; na alegria e na tristeza; no prazer do reencontro e na dor da despedida derradeira. Que Deus o tenha.