Alguém já disse...

Os do mal começam a vencer quando os do bem cruzam os braços!

terça-feira, 30 de agosto de 2022

A quem interessa a polarização política?

        Acompanhei, até o momento, as entrevistas dos presidenciáveis no Jornal Nacional, e como o amigo leitor pode imaginar, não houve grandes novidades nos discursos.

O messias reacionário, com sua predisposição para o desdém e para o conflito, e seu autoproclamado viés ditatorial (acredito que nem os próprios militares levam ele muito a sério), esteve beligerante com os entrevistadores que também não fizeram muita questão de amainar o conflito, e daí pecaram muito, pois tentando pegar o ômi pelas palavras e suas contradições, que não são poucas, deixaram de fazer importantes perguntas sobre a atualidade brasileira e a busca de alternativas para contornar os problemas nacionais que começam a se avolumar. Foi uma “briga de cegos” em que ninguém gritou “de faca não!”... Caso ele se eleja, penso que teremos o mesmo do mesmo.

O Ciro Gomes até foi uma surpresa, pois falou bem, não fugiu às perguntas mais incisivas, dando respostas fundamentadas e objetivamente coerentes, e teve, então, um bom desempenho. Porém, e sempre há poréns, tudo muito bonito, todos os problemas do Brasil com soluções possíveis, mas tudo muito fácil demais e, sabemos todos, com esse Congresso Nacional fisiologista e barganhador, nada é fácil, nada é sem segundas e terceiras intensões, nada é descompromissado de interesses muitas vezes velados. É como se diz: de boas intensões o cemitério está cheio. Dizer o que pode e o que precisa ser feito é uma coisa; fazer o que tem que ser feito é outra. Caso ele se eleja, acredito que encontrará enormes dificuldades de se manter fiel ao que tem pregado.

A entrevista do molusco ligeiro eu não consegui assistir, o que é uma pena, pois eu queria ver como ele se saiu respondendo às acusações de corrupção de seu governo (e dele próprio), pois é sabido que ele não foi inocentado pelo STF, apenas teve o processo anulado por inobservância a algumas normas processuais de direito. Li também que ele chamou o messias de “bobo da corte” e refém do Congresso, verdades ululantes, mas desnecessárias de serem ditas, ainda mais por ele que, em seu governo, também buscou aproximação com o famigerado e inescrupuloso centrão na busca de uma indistinta governabilidade, ponto onde seu governo e a credibilidade de seu partido político foram por água abaixo. Outra coisa que eu queria ver ele responder é com relação a como seria seu futuro novo governo, caso ele fosse eleito, e o que seria diferente do anterior. Caso ele se eleja tenho curiosidade de saber como será seu governo com as estruturas de mando e organização de seu partido combalidas por denúncias de corrupção.

Uma última questão que eu li acerca da entrevista do Lula diz respeito à crítica que fez sobre as investigações da Lava-Jato, dizendo que extrapolou os limites do judiciário, enveredando por um viés político que tinha como foco ele próprio, no que eu concordo em boa parte e justifico por dois argumentos principais: o primeiro é que o juiz encarregado de apreciar as acusações foi trabalhar como ministro do maior adversário político do investigado, o que é muito, mas muito suspeito; o segundo é que, por experiência e como muito se tem visto por aí, sei que no Brasil um processo contra um prefeito qualquer, independentemente da acusação, seja improbidade, corrupção ou outro, pode durar no mínimo dez anos até o seu final, e a pergunta que se faz é como então um processo contra um presidente da República, algo muito mais complexo e de contextualização muito mais morosa, pode ter durado apenas pouco mais de três anos? Suspeito, muito suspeito...

E até a eleição vem mais por aí, ah se vem... Voltaremos!

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

E o caso da Boate Kiss?

          A sociedade gaúcha ficou surpresa com a notícia de que o julgamento dos acusados no caso da Boate Kiss ia ser anulado e que os réus que estavam presos seriam postos em liberdade. Decorridos mais de nove nos do trágico acontecimento, quando se pensava que as responsabilidades seria por fim apuradas e os culpados punidos, o processamento do fato voltará à estaca zero caso seja confirmada a decisão do TJ – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul devendo haver, então, novo julgamento.

A anulação ocorreu por dois votos a um em um órgão colegiado do Tribunal de Justiça, e atendeu aos recursos interpostos pela defesa dos réus alegando algumas nulidades. Com isso o mérito da questão, isto é, se os réus eram ou não culpados pelas mortes das duzentas e quarenta e duas pessoas na boate, não chegou a ser apreciado pelos desembargadores do TJ, pois quando a preliminar de nulidade é aceita como elemento de defesa o processo é declaro nulo e todo o assunto que vem depois se quer é avaliado. É uma questão particular dos processos judiciais e está explicitamente determinado em lei.

Alguns esclarecimentos, então, para que o amigo leitor, talvez leigo em matéria de direito, possa se inteirar sobre o tema. E uma ressalva: todos os argumentos e elementos a seguir apresentados estão amplamente definidos em lei, não são criação da minha cabeça ou se quer da minha vontade, certo?

Primeiro, a decisão de anulação do julgamento ocorreu em sede de recurso, em segunda instância, o que significa que na primeira instância, conduzida por um juiz de direito, os réus foram condenados. Os réus perderam e seus advogados recorreram.

A decisão de anulação do julgamento não é definitiva, pois a Promotoria de Justiça e os assistentes da acusação podem dela recorrer para o STJ – Superior Tribunal de Justiça ou, de repente, até para o STF – Supremo Tribunal Federal, órgãos que poderão anular a anulação (essa foi boa). Se na instância superior a anulação for anulada, passa a valer a decisão da primeira instância, voltando o processo a tramitar a partir da anulação; agora, se a anulação for confirmada, o processo voltará a tramitar desde antes do julgamento. Parece confuso né?

Uma questão que vira-e-mexe eu abordo aqui, e que é muito pertinente à decisão do Tribunal de Justiça e ainda suscita muitas dúvidas, diz respeito à distinção entre questão de fato e questão de direito nos julgamentos: a questão de fato, ou matéria de fato, diz respeito ao fato que está sendo julgado, às provas que colaboram para apurar o fato em si, contribuindo para a culpa ou não dos acusados, no caso da boate Kiss, as questões e circunstâncias que colaboram para a responsabilização, ou não, dos réus, isto é, se eles deram causa às mortes dos jovens ou se contribuíram para as mesmas. Questão de direito ou matéria de direito, diz respeito, grosso modo, às implicações da lei e, por conseguinte, dos processos e procedimentos, na apuração dos fatos e das questões de fato, por fim, na responsabilização dos acusados. A anulação do julgamento dos réus no caso da boate Kiss se deu por que o Tribunal de Justiça aceitou os argumentos da defesa quanto às preliminares de questões de direito, e não de fato, qual seja principalmente a distinção entre homicídio culposo e homicídio com dolo eventual.

Homicídio culposo é aquele em que o autor, mesmo não querendo o resultado morte, contribuiu para ela por que agiu com imprudência, com imperícia ou com negligência, tendo, então, culpa; no homicídio com dolo eventual, o agente ou autor do homicídio sabe que suas ações podem causar a morte em alguém, mas acredita honestamente que não a causará, então continua agindo, concluindo-se que ele assumiu o risco de matar, daí o nome dolo (vontade) eventual de matar. Existe um terceiro tipo de homicídio que é o doloso, quando o autor quer matar a vítima, tem a intensão (dolo) de matar. Cada tipo de homicídio tem uma pena diferente, daí por que os recursos para caracterizar ou descaracterizar cada um são muito comuns no direito brasileiro, pois quanto mais grave, maior a pena. Parece que é o que está ocorrendo no caso da boate Kiss.

O fato de o julgamento ter sido anulado, mesmo que a princípio provisoriamente, não significa que os réus são inocentes. Ninguém foi inocentado. Significa apenas que uma questão de direito, determinada em lei, portanto, e que não foi observada, mostrou que o processo precisa ser refeito. Os tribunais superiores irão confirmar isso ou não.

Anular julgamentos por questões de direito, sem chegar-se a se observar, avaliar e julgar as questões de fato, é um expediente muito comum no Judiciário brasileiro. Muito comum mesmo. Por exemplo, foi o que aconteceu com o julgamento de ex-presidente Lula: alguns dos processos dele foram anulados por que os órgão recursais aceitaram as teses da defesa que atingiam apenas questões de direito, o que não significa, como eu já disse, que ele tenha sido absolvido ou inocentado. Ele deverá ser novamente julgado, mas desta vez seguindo-se os ritos e as determinações legais corretas, evitando-se as que deram causa às anulações.

        Independentemente de quem tenha ou não razão nessa situação toda, o mais desagradável é ver que as feridas há muito abertas, desde aquela fatídica noite de janeiro de 2013 em Santa Maria, continuam abertas e com certeza voltarão a sangrar muito, até por que tamanho pesar não esvanecerá nunca. O tempo amaina a dor, mas o sofrimento permanece irremediável...