Dias amenos pedem assuntos amenos.
Amena é a
primavera com sua inspiração, época de belezas e do aroma das flores e das
temperaturas equilibradas; período de sorrisos, por baixo das máscaras,
daqueles que não sucumbiram à pandemia.
Então, aproveitando essa excelente época do ano, vamos falar sobre caveiras?
Muitos me
perguntam por que em algumas das peças de roupas que eu uso, especialmente as
da bike e da moto, aparecem bordados ou estampas de caveiras? Seja nas bandanas,
na máscara, na luva, na balaclava, na jaqueta, lá está elas presentes.
Caveira é, via
de regra e segundo muitos dicionários, o conjunto de crânio e ossos da face de
um vertebrado morto, em especial a do ser humano. É essa caveira que eu uso.
Muitos são os significados
da caveira, sendo muito comum identifica-la com a morte. Nesse sentido, é
corriqueiro que ela esteja relacionada à coisas nocivas ou negativas como
crimes ou ameaças de crimes, substâncias tóxicas, venenos ou locais
intoxicantes e perigosos ou que exponham a algum tipo de risco. É sinal de
alerta: tem perigo, lá está a ceveirinha, muitas vezes alocada sobre um par de
ossos cruzados. Os piratas e os corsários se identificavam com caveiras,
informando aos demais navegantes do perigo que representavam. A tropa de elite
da polícia tem como símbolo a caveira e seu veículo blindado se chama caveirão,
num objetivo aviso: cuidado, não viemos para brincadeiras. A polícia do Brasil
é uma das que mais mata no mundo.
Porém, e
sempre há poréns, como no meu caso e de muitos outros ciclistas e
motociclistas, desportistas que cultivam uma vida saudável, equilibrada,
responsável, a identificação com caveiras tem um outro sentido extremamente
positivo e com o qual eu me identifico muito.
O amigo leitor
sabia que a caveira também está relacionada, de uma forma geral, ao princípio
da igualdade entre as pessoas? Hein? Hã? Depois de dito até parece óbvio,
certo?
Anote aí: no momento
que restarem apenas nossos ossos, se não formos cremados, claro, kkk, aí
seremos todos iguais, primeiro, por que pouco importará quem fomos, depois, por
que, olhando-se para uma caveira, não saberemos se seu antigo proprietário era
branco ou preto, bonito ou feio, rico ou pobre, inteligente ou não, hétero,
homo ou não binário, se era trabalhador ou preguiçoso, se era honesto ou um
safardana, se foi casado ou solteiro, se era gordo ou magro, e tudo mais. Como
caveira, ou já no estado de caveira, tudo isso pouco importará. Daí que nesse
sentido a caveira indica, também, desapego e simplicidade, o que se opõe ao
materialismo, ao individualismo e à desigualdade. Querem maior desapego do que
à própria carne? Quem desapega de sua vida se desapega de tudo mais.
Os ciclistas e motociclistas se identificam com esses princípios.
Sobre uma
bike, todo mundo é igual, por melhor ou mais moderna que a bicicleta seja, pois
todos pedalam, fazem força, suam, cansam, passam frio, passam calor, sentem
sede e fome, comem terra e mosquitos, se alimentam mal, etc. O cara com a bike
de cem mil reais se iguala ao da de mil e quinhentos. E todos se divertem, se
solidarizam, se exibem, se vangloriam e voltam para casa, via de regra muito
cansados, mas completamente revigorados. Se as bikes podem ser diferentes, o mor
pelo ciclismo os iguala.
Com os
motociclistas ocorre a mesma coisa, pois não são as bikes que os une, mas o
amor e o gosto por elas, ouvir o ronco do motor, mostrar seu equipamento, sua
habilidade e técnica; também aquela insuspeita vontade de pegar a estrada e
andar de cara no vento, gozando de cada rajada recebida. Sobre uma moto todos
são iguais, e como os ciclistas, motociclistas também são solidários e
parceiros; e também voltam cansados, mas vivificados.
Ora, vendo por
esse ângulo é muito fácil compreender por que a caveira está presente, então,
em uniformes e equipamentos de muitos ciclistas e motociclistas. É algo muito
positivo, saudável e elogiável, ao contrário do que se possa pensar, certo? Sem
falar que indica para os ciclistas aquele grupo de pessoas que não se priva de
fazer força até estalar os ossos, enfrentar ribanceiras e perrengues em trilhas
e estradas quando poderiam estar em casa, sentados, simplesmente “varejando”.
Para os motociclistas também indica um sentimento de desapego ao conforto,
buscando sobre suas motos contagiar com sua alegria, seus sorrisos, seus
barulhos, até as pessoas que os assistem.
E o que tem a ver primavera com caveiras?
Ora, sabemos
que a primavera tem uma simbologia bastante interessante: por suceder o
inverno, a estação mais exigente de todas, ela representa renovação,
renascimento, restauração de forças e energias, símbolo da vitória sobre os
rigores do frio e preparação para a intensidade do verão. A caveira, que ao fim
e ao cabo é nossa última lembrança física da estada nesse mundo, também traz
implícita uma essa referente à mudança desta vida para outra; nesse sentido,
tal qual a primavera, é também transformação na vida de alguém como princípio
de nova etapa ou ciclo. Nossa vida é começo, meio e fim. Todo começo levará à
um fim; todo fim nada mais é do que um (re)começo. Que bacana isso, né gente?